Você Está Sob Vigilância

O espaço público é cada vez mais policiado por sistemas de vigilância ocultos. A vida privada do indivíduo é secretamente capturada, mapeada, coletada, e apossada em efígie por grandes operações de empresas privadas – a segurança industrial.

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Ironicamente, enquanto as comunidades se desintegram e cada vez mais de nós nos descobrimos perdidos em uma massa anônima de consumidores, os únicos com quem podemos contar para interessar por nossas vidas são os agentes da lei que governam espaços projetados para o consumo. Libertar espaços da vigilância reforçaria nossa liberdade de agir de forma privada, por nós mesmos e uns pelos outros ao invés de para câmeras, e então permitir-nos sairmos juntos de nossa anonimidade. Nós tivemos nossos quinze minutos de fama – agora aponte essa coisa para outro lugar!

Medidas de segurança tão opressivas só são necessárias quando a riqueza e o poder são distribuídos tão injustamente que os seres humanos não podem coexistir em paz. Aqueles que supervisionam esses sistemas de segurança se enganam quando alegam que a ordem deve ser estabelecida para limpar o caminho para a liberdade e a igualdade. Na verdade é o contrário: ordem só é possível como uma consequência de pessoas vivendo juntas com liberdade, igualdade, e justiça para todas. Qualquer outra coisa é simplesmente repressão. Se câmeras são necessárias em cada esquina, então algo está fundamentalmente errado em nossa sociedade, e se livrar das câmeras é um começo tão bom como qualquer outro.

Como uma cultura, nos preocupamos com observação, imagens, em ser espectadores. Agora os anúncios de internet oferecem a nós consumidores as nossas próprias câmeras espiãs e microfones ocultos, completando as três etapas para o panóptico: monitoramos telas, somos monitorados em telas, nos tornamos nossos próprios monitores. Mas quando a distinção entre observador e observado se dissolve, não readquirimos a integridade – ao contrário, encontramo-nos sendo presos fora de nós mesmos, alienados no sentido mais fundamental.

Eis um quixotesco projeto – una-se a seus amigos e desabilite todas as câmeras de segurança em sua cidade, declarando-a uma zona de ação livre. Você sabe o que eles dizem sobre dançar como se ninguém estivesse olhando.

Em plena visão do inimigo
–Sean Penn para o Coletivo de Ex-Astros de Cinema do CrimethInc.

O Que Há De Tão Ruim Em Vídeos De Vigilância?

Nos últimos anos vimos um dramático crescimento dos circuitos fechados de câmeras de segurança em espaços públicos. Câmeras de vídeo espreitam-nos das laterais dos edifícios, dos caixas eletrônicos, das luzes do tráfego, capturando cada movimento para a observação dos oficiais de polícia e guardas de segurança privada. A eficiência desses dispositivos em reduzir o crime é pelo menos duvidosa, e casos de abuso pelas autoridades públicas e privadas têm criado sérias preocupações sobre o monitoramento por vídeo em espaços públicos.
Esses são alguns exemplos de pessoas que podem legitimamente querer evitar ter fotos suas tiradas por observadores ocultos:

Minorias

Um dos maiores problemas da vigilância por vídeo é a tendência dos policiais e seguranças em mirar em certas pessoas em particular para monitoramento. Não é de se surpreender que a mentalidade que produziu discriminação racial nas blitz de trânsito encontrou expressão similar nos policiais focando suas câmeras em pessoas de cor. Um estudo de vídeos de vigilância na Grã-Bretanha, o país que mais usa sistemas de vigilância CFTV (Circuito Fechado de Televisão), revelou que “pessoas negras tinham entre uma vez e meia a duas vezes e meia mais chances de serem vigiadas do que seria de se esperar pela sua presença na população”. É válido pontuar que, nesse estudo, 40% das pessoas que a polícia selecionou foram escolhidas “por nenhuma razão óbvia”, a não ser sua etnicidade ou aparência de membro de grupos subculturais. Em outras palavras, elas foram selecionadas não pelo que estavam fazendo, mas apenas pela sua aparência.

Mulheres

Os policiais não conseguem pensar com a cabeça de cima quando se trata de vigilância em vídeo. Em um estudo da universidade de Hull, uma de cada dez mulheres viraram alvo por razões “voyeurísticas” por operadores de câmera masculinos, e uma sargenta policial do Brooklyn delatou vários de seus colegas em 1998 por “tirar fotos de mulheres civis na área… de fotos dos seios até o traseiro.”

Jovens

Homens jovens, particularmente homens jovens negros, são rotineiramente selecionados para serem investigados mais de perto pelos operadores policiais. Isso é ainda mais verdade se eles parecem pertencer a grupos subculturais que as figuras da autoridade acham suspeitas ou ameaçadoras. Você veste calças largas ou raspa sua cabeça? Sorria – você está sendo filmado!

Estrangeiros

O estudo da Universidade de Hull também encontrou uma tendência dos operadores de CFTV a focar em pessoas cuja aparência ou atividades marcamos como sendo “deslocadas”. Isso inclui pessoas perambulando na frente das lojas, ou sem-teto mendigando. Não surpreendentemente, esse grupo inclui indivíduos observados expressando sua oposição à câmeras de CFTV.

Ativistas

A experiência tem mostrado que sistemas CFTV podem ser usados para espiar grupos de ativistas engajados em formas legais de dissidência ou discussão. Por exemplo, a Universidade da Cidade de Nova Iorque foi constrangida alguns anos atrás por estudantes ativistas que descobriram, muito para seu desalento, que a administração instalou câmeras de vigilância em suas áreas de reunião. Essa tendência não mostra sinais de decrescimento: uma das mais populares manifestações das capacidade do CFTV que os agentes da lei e fabricantes gostam de mencionar é a habilidade de ler o texto de panfletos que ativistas colam em postes.

Todos os outros

Vamos ser sinceros, todos nós fazemos coisas perfeitamente legais, mas que mesmo assim não queremos compartilhá-las com o resto do mundo. Beijar o seu amor na rua, ir à uma entrevista de emprego sem que o seu atual empregador tenha conhecimento disso, visitar um psiquiatra, essas são atividades cotidianas que constituem nossas vidas pessoais. Enquanto não houver nada de errado com nenhuma dessas atividades, temos bons motivos para desejarmos manter em segredo de nossos colegas de trabalho, vizinhos, ou qualquer outra pessoa.

Mas, qual o problema?

Claramente, a vigilância por vídeo de espaços públicos representa uma invasão da privacidade pessoal. Mas e daí? Ter a imagem de alguém capturada de tempos em tempos parece um preço pequeno para pagar em troca dos benefícios de segurança que a vigilância oferece. Não é como se alguém estivesse vendo todas as fitas, e vamos ser honestos ser vigiado por operadores remotos sem nem sequer saber disso não é a mesma coisa que ser puxado, intimidado e assediado por policiais reais.
Infelizmente, não é tão simples assim. O fato é que há muito pouca fiscalização dos sistemas de vigilância por vídeo, e a questão sobre quem possui as fitas e quem tem o direito de vê-las ainda é amplamente incerto.

Muitas das câmeras que monitoram espaços públicos são privadas. Bancos, edifícios de escritórios e lojas de departamentos, todos possuem sistemas de vídeos encarregados de monitorar continuamente suas instalações e qualquer outro espaço público adjacente. As gravações que são feitas são de propriedade privada, e podem ser guardadas, transmitidas, ou vendidas para outra empresa sem permissão, divulgação ou pagamento para as pessoas envolvidas.

Da mesma forma, registros de vídeo que são capturados por departamentos de polícia públicos podem ser considerados parte do “registro público” e estarão disponíveis para indivíduos interessados, empresas, e agências do governo. Atualmente, muito pouco é feito para evitar que programas de televisão como “Cops” e “America’s Funniest Home Movies” tenham a permissão de transmissão dos conteúdos das câmeras de vigilância.
Soa muito forçado? Atualmente no Reino Unido, o país que faz o uso mais extensivo dos sistemas CFTV (embora o Canadá e os EUA estejam alcançando-o) aconteceram tais casos. Nos anos 1990, Barrie Goulding lançou “Caught in the Act“, uma compilação de vídeos de “pérolas” de um sistema de vigilância por vídeo de ruas. Apresentando contatos íntimos, incluindo uma cena de um casal fazendo sexo em um elevador, esse vídeo sensacionalista de pessoas comuns envolvidas em um ato legal (em sua maior parte) mas ainda assim privado.

Similarmente, houve uma proliferação de “câmeras espiãs”, websites com filmagens clandestinas de mulheres no banheiro, provadores, e uma variedade de outros locais. A falta de uma fiscalização legislativa permitiu a esses sites operarem legalmente, mas, mesmo se novas leis forem aprovadas, a natureza da internet torna o fechamento desses sites altamente improvável.

Assim como sistemas de vigilância por vídeo evoluem e se tornam mais sofisticados, as oportunidades de abuso se agravam. Sistemas de vídeo sofisticados podem identificar os rostos de indivíduos (combinando imagens de vídeos com bancos de dados de rostos conhecidos, por exemplo, um acervo de fotos de carteira de motorista mantido pelo Departamento de Trânsito), os objetos que carregam (incluindo por exemplo, a leitura dos textos em documentos pessoais), e suas atividades. Esses sistemas permitem a criação de bancos de dados que detalham quem você é, onde você esteve, quando você esteve lá e o que você estava fazendo… Bancos de dados que estão de certa forma disponíveis para um grande número de pessoas com as quais você preferiria não compartilhar tais informações, incluindo empregadores, ex-namorado(a) e produtores de televisão.

Além dessas preocupações, existe a questão do impacto social do aumento da nossa confiança na vigilância, e nossa crescente boa vontade de nos colocarmos debaixo da lente do microscópio dos agentes da lei e dos interesses comerciais. O que durante a guerra fria era uma caricatura dos regimes comunitas estilo soviético, a noção da “sociedade vigiada” é agora empregada de forma não irônica para descrever a vida urbana moderna em bastiões da liberdade pessoal e da liberdade tais como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá.

Enquanto a natureza de tal sociedade foi teorizada há muito tempo atrás por filósofos, críticos e sociólogos (Jeremy Bentham, alguém?), os efeitos psicológicos e sociais de se viver sob constante vigilância ainda não são bem compreendidos. No entanto, o impacto dos sistemas de CFTV no crime estão começando a se tornar claros.

Vigilância por vídeo e o crime

Alardeados como a solução “high-tech” para os problemas sociais relacionados ao crime e à desordem por fabricantes que vendem caros sistemas de vigilância por vídeo para governos locais e departamentos de polícia, os sistemas de CFTV ganharam muita popularidade nos últimos anos. Esses fabricantes afirmam que CFTV, que quase sempre custa acima de U$400,000 para instalar em uma área restrita irá decrescer dramaticamente a atividade criminal, e fornecer uma medida de segurança até então desconhecida para o público geral. Esses sistemas CFTV geralmente são comprados em troca de outros métodos, menos opressivos, menos caros, e já provados por sua eficácia no comprimento da lei como policiamento comunitário, e as estatísticas não comprovam suas alegações.

CFTV muitas vezes é promovido com referências veladas à ameaça terrorista: por isso o seu uso generalizado no Reino Unido, que a muito tempo vem vivendo ameaças de bombas e outras ações violentas. Seguindo os ataques de 11 de Setembro, os fabricantes de sistemas de vigilância aumentaram seus esforços para conquistar o público americano com sucesso, o que é evidenciado pelos recentes crescimentos nos valores das ações de tais empresas.

Tentar capitalizar com uma tragédia internacional para vender produtos dessa maneira é asquerosamente oportunista, mas dado o histórico de gravações de sistemas de CFTV até agora é pura enganação. De acordo com estudos acerca da eficácia da vigilância por víde usada em todo o Reino Unido, não existem evidências conclusivas que a presença do CFTV tenha qualquer impacto nas taxas de crime locais. Embora tenha havido exemplos da redução de criminalidade em áreas onde o CFTV foi instalado, essas reduções podem facilmente ser explicadas por outros fatores, incluindo a diminuição geral de crimes em todo o Reino Unido. Na verdade, em muitas áreas onde o CFTV foi instalado, as taxas de crime aumentaram.

Considerando o uso difundido desses sistemas é surpreendente como raramente eles levam à prisões. De acordo com um relatório, uma vigilância de 22 meses da Times Square em Nova York levou apenas a 10 prisões, e as câmeras envolvidas já foram removidas. Além disso, os tipos de crime contra quais o CFTV é mais efetivo são pequenos se comparados com terrorismo e seqüestro.

Um estudo sobre o uso do CFTV no Reino Unido descobriu que a maior parte das prisões nas quais a vigilância teve um papel principal foi para apartar brigas. Não só isso, mas essas brigas já eram relativamente raras, e isso dificilmente justificaria os custos exorbitantes e a perda de privacidade associada a esses sistemas. Ainda mais perturbador, embora não seja surpreendente, foi a descoberta do estudo de que incidentes de brutalidade e abusos cometidos pela polícia que eram capturados pela vigilância CFTV foram rotineiramente ignorados. As fitas desses incidentes também têm uma tendência de serem “perdidas” pelos operadores.

O efeito da vigilância por vídeo na psicologia criminal não é bem compreendido. Um estudo feito em Los Angeles descobriu que câmeras em lojas de varejo eram vistas por criminosos como um desafio, e isso os encorajava a roubarem mais. Na melhor das hipóteses, CFTV parece não reduzir o crime, mas meramente o desvia para outras áreas. De acordo com um policial de Boston, “os criminosos se acostumam com as câmeras e tendem a sair do seu campo de visão.”

Agora mais do que nunca

Considerando a elevada percepção de segurança pública e o aumento da demanda por maior segurança em vista das crescentes ameaças de violência terrorista, projetos que enfraquecem sistemas de controle social podem parecer de mau gosto para alguns . Mas é nossa posição que tais momentos chamam ainda mais fortemente para esse tipo de projeto. Há uma necessidade vital de vozes independentes que clamem contra a exploração do medo e do sofrimento humano em nome de poder político e ganho monetário.