Anarquia & Álcool

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Verdadeiramente perdido

Êxtase v Intoxicação: Por um mundo de encantamento ou anarcoolismo?

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Borracho, ébrio, bêbado, embriagado, alegre, manguaçado, de porre, pinguço, de pileque, trêbado, mamado. Todo mundo já ouviu sobre as pessoas do Ártico com cem palavras para neve; nós possuímos cem palavras para bêbado. Nós perpetuamos nossa própria cultura de derrota.

Pare aí mesmo – eu posso ver o sorriso desdenhoso em sua face: Esses anarquistas são tão chatos que reclamariam até do único aspecto divertido do anarquismo – a cerveja após as badernas, a bebida alcoólica no bar onde todas aquelas teorias impossíveis são anunciadas? O que eles fazem para se divertir, então – divulgam calúnias sobre a pouca diversão que nós temos? Nós não podemos relaxar e ter um bom momento em nenhuma parte de nossas vidas?

Não nos entendam mal: não estamos argumentando contra a satisfação, mas a favor disto. Ambrose Bierce definiu um asceta como “uma pessoa fraca que sucumbe à tentação de negar prazer a si mesmo” e nós concordamos. Assim como Chuck Baudelaire escreveu, você deve sempre estar curtindo – tudo depende disso. Portanto, não somos contra a embriaguez, mas, de fato, contra beber! Aqueles que abraçam a bebida como caminho para a embriaguez enganam a si mesmos para uma vida de total encantamento.

O álcool, assim como cafeína ou açúcar no corpo, apenas desempenha um papel na vida que a vida ela mesma providenciaria de outra maneira. A mulher que nunca bebe café não precisa dele de manhã quando acorda: seu corpo produz energia e foco por si mesmo, como milhares de gerações de evolução o prepararam para fazer. Se ela bebe café regularmente, logo seu corpo deixa o café tomar conta deste papel, e ela vira dependente dele. Da mesma maneira, o álcool provê artificialmente momentos temporários de relaxamento e libertação enquanto empobrece a vida de tudo o que é genuinamente relaxante e libertador.

Se algumas pessoas sóbrias nessa sociedade não parecem tão despreocupadas e livres como suas contrapartes bêbadas, isso é um mero acidente cultural, mera evidência circunstancial. Esses puritanos existiriam da mesma forma no mundo esvaziado de toda mágica e genialidade pelo alcoolismo de seus colegas (e pelo capitalismo, hierarquias e miséria que ele ajuda a manter) – a única diferença é que eles são tão e pelo capitalismo, hierarquias e miséria que ele ajude pelo capitalismo, hierarquias e miséria que ele ajuda a mantera a e pelo capitalismo, hierarquias e mie pelo capitalismo, hierarquias e miséria que ele ajuda a manter séria que ele ajuda a mantermanterabnegados a ponto de recusar até a falsa mágica, o gênio na garrafa. Mas outras pessoas “sóbrias”, cuja orientação de vida seria mais bem descrita como encantada ou extática, são abundantes, se você olhar bem o suficiente. Para estes indivíduos – para nós – a vida é uma constante celebração que não precisa de acréscimo, da qual não necessitamos de repouso.

Álcool, como o Prozac e todos os outros medicamentos controladores da mente que hoje estão gerando muito dinheiro para o “grande irmão”, substitui a cura pelo tratamento de sintomas. Ele tira a dor de uma existência maçante e monótona por algumas horas, no melhor dos casos, e então a devolve em dobro. Ele não apenas substitui ações positivas que poderiam localizar as causas de nosso desânimo – ele as previne, uma vez que mais energia é direcionada para atingir obter e se recuperar do estado alcoolizado. Como o turismo do trabalhador, beber é a válvula de escape que libera tensões enquanto mantém o sistema que as criou. Nessa cultura de “apertar botão”, nós nos acostumamos a nos vermos como simples máquinas a serem operadas: adicione o químico apropriado à equação para obter o resultado desejado. Em nossa busca por saúde, alegria, sentido da vida, fugimos de uma panacéia para a próxima – Viagra, vitamina C, vodka – ao invés de abordar nossas vidas holisticamente e localizar nossos problemas em suas raízes sociais e econômicas. Essa atitude orientada por produtos é o fundamento de nossa alienada sociedade consumista: sem consumir produtos não podemos viver! Tentamos comprar relaxamento, comunidade, autoconfiança – agora até o êxtase vem em uma pílula!

Nós queremos êxtase como um modo de vida, não uma folga alcoólica envenenadora de fígado. “A vida é um saco – fique bêbado” é a essência do argumento que entra em nossos ouvidos vindo da língua de nossos senhores e então sai de nossas próprias bocas, perpetuando quaisquer que sejam as verdades incidentais e desnecessárias a que possa se referir – mas nós não vamos mais cair nessa! Contra a enebriação – e pela embriaguez! Acabem com todas as lojas de bebida e as substituam por parques de diversão!

Por uma Sobriedade Lúcida Bacanálica e Extática!

Rebelião Falsa

Praticamente todas as crianças nas sociedades ocidentais crescem com o álcool como o fruto proibida cujo prazer seus pais ou amigos se permitem mas proíbem para elas. Esta proibição apenas torna o beber mais fascinante para as pessoas jovens e, quando elas possuem a oportunidade, quase imediatamente expressam suas independências fazendo exatamente como foram avisados para não fazer: ironicamente, eles se rebelam seguindo o exemplo colocado para eles. Este modelo hipócrita é o padrão de criação de crianças nessa sociedade, e funciona para replicar o número de comportamentos destrutivos que de outro modo seriam agressivamente recusados por novas gerações. O fato de que a falsa moralidade de muitos pais que bebem é espelhada na prática devota de grupos religiosos ajuda a criar a falsa dicotomia entre a abnegação puritana e bebedores livres amantes da vida – com “amigos” como pastores evangélicos, nós abstêmios queremos saber: quem precisa de inimigos?

Esses partidários da embriaguez rebelde e advogados da abstinência responsável são adversários leais. O primeiro precisa do segundo para fazer seus rituais sombrios parecerem divertidos; e o segundo precisa do primeiro para fazer sua rígida austeridade parecer senso comum. Uma “sobriedade extática” que combata a melancolia de um e a confusão do outro – falso prazer e falsa ponderação da mesma forma – é análoga ao anarquismo que confronta tanto a falsa liberdade oferecida pelo capitalismo quanto a falsa comunidade oferecida pelo comunismo.

Álcool & Sexo na Cultura do Estupro

Vamos colocar na mesa: quase todos nós viemos de um lugar onde nossa sexualidade é ou foi território ocupado. Fomos estuprados, abusados, assaltados, humilhados, silenciados, confundidos, construídos, programados. Nós somos foda e vamos pegar tudo de volta, recuperando a nós mesmos; mas para a maioria de nós, esse é um processo lento, complexo e ainda não concluído.

Isso não significa que não possamos fazer sexo bom, seguro e compassivo agora mesmo, no meio desta cura – mas torna fazer sexo um pouco mais complicado. Para estar certo de que não estamos perpetuando ou ajudando a perpetuar padrões negativos em uma vida de amante, devemos ser capazes de nos comunicar claramente e honestamente antes que as coisas fiquem quentes e densas – e enquanto são, e depois. Poucas forças interferem nisso como o álcool. Nessa cultura da negação, somos encorajados a usá-lo como um lubrificante social para nos ajudar a deixar no passado nossas inibições; muito frequentemente, isso simplesmente significa ignorar nossos próprios medos e cicatrizes e não perguntar sobre os dos os outros. Se é perigoso, assim como bonito, para nós compartilhar o sexo com outra pessoa sóbrio, quão mais perigoso deve ser fazer isto tão bêbado, afobado e incoerente?

Falando de sexo, é notável o papel que o álcool possui na sustentação das dinâmicas patriarcais. Por exemplo – em quantos núcleos familiares o alcoolismo ajudou a manter uma distribuição desigual de poder e pressão? (Todos os escritores deste panfleto podem se lembrar de mais de um caso somente entre seus parentes). A embriagada autodestruição do homem, produzida, como  pelos horrores de viver sob o capitalismo, impõe até mais peso sobre a mulher, que deve ainda de alguma forma manter a família unida – frequentemente diante da violência dele. E na questão das dinâmicas…

A Tirania da Apatia

“Todo maldito projeto anarquista em que me engajo é arruinado ou quase arruinado pelo álcool. Você monta uma situação de vida coletiva e todos estão muito bêbados ou chapados para fazer as tarefas básicas, sem falar em manter uma atitude respeitosa. Você quer criar comunidade, mas após o show todos apenas voltam para seus quartos e bebem até a morte. Se não se abusa de uma substância, se abusa de alguma outra. Eu entendo que tentar apagar sua consciência é uma reação natural a ter nascido no alienante inferno capitalista, mas eu quero que as pessoas olhem para o que nós anarquistas estamos fazendo e digam “sim, isso é melhor que o capitalismo!”… o que é difícil de dizer se você não consegue andar sem pisar sobre garrafas quebradas. Eu nunca me considerei um straight-edge, mas foda-se, eu não vou mais continuar com isto!”

Já foi dito que quando o famoso anarquista Oscar Wilde ouviu pela primeira vez o velho slogan se é humilhante ser governado, quão mais humilhante é escolher seu governante, respondeu: “se é humilhante escolher o controlador de alguém, quão mais humilhante é ser o seu próprio controlador!”. Ele pretendia que isso fosse uma crítica às hierarquias dentro de si próprio assim como no estado democrático, com certeza – mas, tristemente, seu sarcasmo pode ser aplicado literalmente ao modo como alguns de nossos esforços em criar ambientes anarquistas são concluídos na prática. Isso é especialmente verdade quando eles são executados por pessoas bêbadas.

Em certos círculos, especialmente naqueles em que a própria palavra “anarquia” está mais na moda do que qualquer de seus vários significados, a liberdade é compreendida em termos negativos: “não me diga o que fazer!”. Na prática, isso frequentemente significa nada mais do que uma declaração do direito individual de ser preguiçoso, egoísta, irresponsável por seus atos. Nestes contextos, quando um grupo concorda sobre um projeto, frequentemente acaba sendo uma pequena minoria responsável que precisa fazer todo o trabalho para que ele aconteça. Estes poucos conscienciosos frequentemente parecem despóticos – quando, invisivelmente, são a apatia e a hostilidade de seus camaradas que os forçam a adotar esse papel. Ser bêbado e desordeiro todo o tempo é coercitivo – força os outros a clarear as coisas por você, a pensar claramente quando você não o fará, a absorver o estresse gerado pelo seu comportamento quando você está muito detonado para um diálogo. Essas dinâmicas vão em duas direções, com certeza – aqueles que assumem toda a responsabilidade em seus ombros perpetuam o padrão em que todos os outros não assumem nenhuma – mas todos são responsáveis por sua própria parte em tal padrão, e em transcendê-lo.

Pense no poder que podemos ter se toda a energia e esforço no mundo – ou talvez apenas sua energia e esforço – que são usadas para beber fossem colocadas na resistência, na construção, na criação. Tente adicionar a isso todo o dinheiro que os anarquistas de sua comunidade gastaram em beber coletivamente e imagine quanto equipamento musical, dinheiro para fianças ou comida-não-bombas (Food Not Bombs…ou, foda-se, bombas!) poderiam ter pago – ao invés de financiar suas guerras contra todos nós. Melhor: imagine viver em um mundo onde presidentes viciados em cocaína morrem de overdose enquanto músicos radicais e rebeldes vivem até uma velha e madura idade!

Sobriedade e Solidariedade

Como em qualquer escolha de estilo de vida, seja vagabundagem ou sindicato, abstenção de álcool pode às vezes ser confundida com um fim, ao invés de um meio.

Acima de tudo, é importante que nossas próprias escolhas não sejam um pretexto para nos acharmos superiores aos que fazem escolhas diferentes. A única estratégia para compartilhar boas idéias que infalivelmente obtém sucesso (e isto se aplica aos panfletos cabeça-quente como este também!) é o poder do exemplo – se você colocar a “sobriedade extática” em ação em sua vida, e isso funcionar, aqueles que sinceramente querem coisas similares irão se unir. Julgar as outras pessoas por decisões que afetam apenas a eles mesmos é absolutamente nocivo a qualquer anarquista – sem mencionar que isso faz com que seja menos provável que elas experimentem as opções que você oferece.

E então – a questão da solidariedade e comunidade com anarquistas e outros que usam álcool e drogas. Propomos que isso é de extrema importância. Especialmente no caso daqueles que estão lutando para libertar a si mesmos de dependências não desejadas, tal solidariedade é suprema: Alcoólicos Anônimos, por exemplo, é apenas mais um exemplo de uma organização quase religiosa satisfazendo uma necessidade social que deveria já ser fornecida pela comunidade anarquista auto-organizada. Como em todo caso, nós anarquistas devemos nos questionar: tomamos nossas posições simplesmente para nos sentir superiores às massas vulgares – ou porque sinceramente desejamos propagar alternativas acessíveis? Ainda, muitos de nós que não são dependentes de “substâncias” podemos agradecer ao nosso privilégio e sorte por isso; isto nos dá ainda mais responsabilidade de sermos bons aliados a quem não possui tal privilégio e sorte – ou seja lá quais termos eles usem. Deixe a tolerância, humildade, acessibilidade e sensibilidade serem as qualidades que alimentamos em nós mesmos, e não o sentimento de superioridade moral ou orgulho. Não à sobriedade separatista!

Revolução

Então – o que vamos fazer se não formos aos bares, passarmos o tempo em festas, sentarmos nos degraus ou em frente a televisão com nossas garrafas? Qualquer outra coisa!

O impacto social da fixação de nossa sociedade no álcool é ao menos tão importante quanto seus efeitos mentais, médicos, econômicos e emocionais. Beber padroniza nossas vidas sociais, ocupando algumas das oito horas por dia que ainda não são colonizadas pelo trabalho. Ele nos localiza espacialmente – salas de estar, salões de bar, sarjetas – e contextualmente – em comportamentos ritualizados e previsíveis – das maneiras mais explicitas que o sistema de controle jamais pôde. Frequentemente, quando alguém consegue escapar do papel de trabalhador/consumidor, a bebida se faz presente lá, um remanescente teimoso de nosso tempo de lazer colonizado, para preencher o promissor espaço aberto. Livre dessas rotinas, poderíamos descobrir outras formas de usar o tempo e energia e buscar prazer, formas que poderiam provocar riscos ao sistema de alienação.

Beber pode ser incidentalmente parte de interações sociais positivas e estimulantes, é claro – o problema é que seu papel central na sociabilidade vigente o apresenta falsamente como o pré-requisito para tais relacionamentos. Isto obscurece o fato de que podemos criar tais interações por nossa vontade, com nada mais que nossa própria criatividade, honestidade e coragem. De fato, sem elas, nada de valor é possível – você já foi a uma festa ruim? – e com elas, nenhum álcool é necessário.

Quando uma ou duas pessoas param de beber, isso parece sem sentido, como se elas estivessem se privando da companhia (ou pelo menos dos hábitos) de seus companheiros humanos por nada. Mas uma comunidade de tais pessoas pode desenvolver uma cultura radical de aventura e engajamento sóbrios, que pode eventualmente oferecer oportunidades excitantes de atividades sem bebida e alegria para todos. Os geeks e solitários de ontem podem ser os pioneiros do novo mundo de amanhã: “embriaguez lúcida” é um novo horizonte, uma nova possibilidade para transgressão e transformação que poderia prover solo fértil para revoltas ainda inimagináveis. Como qualquer estilo de vida revolucionário, esse oferece uma amostra imediata de um outro mundo enquanto ajuda a criar um contexto para ações que apressam sua realização universal.

Nenhuma guerra além da guerra de classes –
nenhum coquetel a não ser o coquetel molotov!

Não vamos destilar nada além de problemas!

Posfácio: Como ler este panfleto

Com alguma sorte, você foi capaz de discernir – até, talvez, através dessa névoa de torpor bêbado – que isto é tanto uma caricatura das polêmicas na tradição anarquista quanto uma peça séria. Vale a pena apontar que estas polêmicas têm frequentemente chamado atenção para suas hipóteses por tomar deliberadamente uma posição extrema, com isso abrindo terreno intermediário para posições mais “moderadas” sobre o assunto.

Esperamos que você possa extrair discernimentos úteis por si mesmo de suas interpretações deste texto, ao invés de tomá-lo como um mandamento ou como algo amaldiçoado.

E tudo isto não é para dizer que não há tolos que rejeitam intoxicar-se, mas você pode imaginar quão mais insuportáveis eles seriam se não rejeitassem? Os chatos seriam ainda chatos, mas mais escandalosos; os fanáticos continuariam a reprovar e fazer longos discursos, enquanto cuspiriam e babariam em suas vítimas! É uma característica quase universal dos bebedores que eles encorajam todos ao redor a beber e que – com exceção do jogo de forças hipócrita entre amantes ou pais e filhos, ao menos – eles preferem que suas próprias escolhas sejam refletidas nas escolhas de todos. Encontramos nisso um indicativo de uma insegurança monumental, não desvinculada da insegurança revelada por ideólogos e recrutadores de todo tipo, de cristão a marxista a anarquista que sinta que não pode descansar até que todos no mundo vejam este mundo exatamente como eles vêem. Enquanto lê, tente combater esta insegurança – e tente não ler isto como uma expressão de nós mesmos, tampouco. Mas, ao invés, na tradição dos melhores trabalhos anarquistas, como um lembrete para todos que escolhem se preocupar com que um outro mundo é possível.

Retratação Previsível

Assim como no caso de todos os textos do Crimethinc., este representa apenas as perspectivas de quem concorda com ele neste momento, não a totalidade do Coletivo de ex-Trabalhadores CrimethInc. Ou qualquer outra massa abstrata. Alguém que faz um trabalho importante sob o nome do Crimethinc. Está provavelmente ficando bêbado no momento em que estou digitando isto – e está tudo bem!

Beba um drinque por minha conta — são consumidores que fazem o capitalismo funcionar!

Como a Civilização Se Tornou Viciada
ou COMO OS VICIADOS SE TORNARAM CIVILIZADOS

O Argumento Anarcoprimitivista a Favor do Straight-Edge: Contra a História Patriarcal, Contra o Alcoolocausto!

A história da civilização é a história da cerveja. Em toda era e área intocada pela civilização, não houve cerveja; de modo oposto, virtualmente em todo lugar em que a civilização bateu, a cerveja chegou com ela. Civilização – que é sinônimo de estruturas sociais hierárquicas e conseqüentes relações de competição, desenvolvimento tecnológico desenfreado e alienação universal – parece estar inseparavelmente ligada ao álcool. Nossos sábios, que olham para trás e para frente no tempo para ver além dos limites desta cultura nefasta, contam uma parábola sobre nosso passado para explicar esta ligação:

A maioria dos antropólogos considera o início da agricultura como o começo da civilização. Foi o primeiro ato de controle sobre a terra que levou os seres humanos a pensarem em si mesmos como distintos da natureza, que os forçou a virar sedentários e possessivos, que levou ao eventual desenvolvimento da propriedade privada e do capitalismo. Mas, por quê caçadores-coletores, aqueles cujo ambiente já provia toda a comida que necessitavam, iriam trancar a si mesmos em um lugar e abandonar a existência nômade de procura de alimentos que haviam praticado desde o início dos tempos por algo que eles já possuíam? Parece mais provável – e aqui, há antropólogos que concordam – que os primeiros a domesticarem a si mesmos fizeram isso para preparar cerveja.

Esta reorganização drástica por causa da intoxicação deve ter chacoalhado até a raiz a estrutura e modos de vida tribais. Onde estes “primitivos” haviam uma vez vivido em uma relação relaxada e atenciosa para com a Terra provedora – uma relação que os supria tanto em autonomia pessoal e provisões para a comunidade quanto com uma grande quantidade de tempo de lazer para gastar com a admiração do mundo encantado ao redor – eles agora alternavam períodos de submisso trabalho duro com períodos de incompetência bêbada e indiferença. Não é difícil imaginar que esta situação apressou, se não necessitou, a ascensão ao poder de governantes, administradores que tomavam conta das tarefas cansativas da vida sedentária executadas pelas pessoas frequentemente inebriadas e incapazes. Sem estes chefes e o primitivo sistema judicial que eles instituíram, deve ter parecido que a vida ela mesma seria impossível: e assim, sob os abomináveis auspícios do alcoolismo, o Estado embrionário foi concebido.

Tal estilo de vida patético não poderia ter sido atrativo para as pessoas que avizinhavam os agricultores alcoólatras originais; mas, como todo historiador sabe, a difusão da civilização foi tudo menos voluntária. Desprovidos da educação e gentileza de seus antigos companheiros na floresta, esses bárbaros, em suas transgressões e excessos bêbados, devem ter provocado uma série de guerras – guerras nas quais, tristemente, os bêbados foram capazes de ganhar, graças à eficiência militar de seus exércitos despóticos e o sólido estoque de comida que suas subjugadas terras cultivadas provinham. Até estas vantagens não teriam sido suficientes se os brutos não tivessem a posse de uma arma secreta: o álcool. Adversários que teriam, de outra forma, se segurado no campo de batalha indefinidamente sentiram antes o assalto cultural da bêbada boemia e do vício, quando o comércio – uma das invenções dos agricultores, que também viraram os primeiros avarentos, os primeiros comerciantes – levou esse veneno para seus meios. Um padrão de conflito, vício, derrota e assimilação foi colocado em movimento, o qual pode ser rastreado por toda a história, desde o berço da civilização, passando pelas guerras romanas pelo império até o holocausto perpetrado sobre os nativos do Novo Mundo pelos assassinos colonizadores europeus.

Mas isto é apenas um relato, especulação. Vamos consultar os livros de história (lendo nas entrelinhas quando necessário, já que estes livros chegam até nós através dos assassinos colonizadores do passado e seus escravos obedientes… ou seja, historiadores!) para ver se eles se encaixam com a evidência. Começaremos nos primeiros anos da agricultura, quando as primeiras tribos sedentarizaram-se – nas terras férteis ao redor de rios, onde trigo e cevada facilmente cresciam e fermentavam em largas quantidades.

A Domesticação do Homem… Pelo Álcool

Enkidu, um peludo, despenteado, quase bestial homem primitivo, que comia erva e podia ordenhar animais selvagens, quis testar sua força contra Gilgamesh, o Deus-Rei. Gilgamesh enviou uma prostituta para aprender sobre suas forças e fraquezas. Enkidu aproveitou uma semana com ela durante a qual ela o ensinou sobre a civilização. Enkidu não sabia o que era pão, nem havia aprendido a beber cerveja. Ela disse a Enkidu: “coma o pão agora, isso pertence à vida. Beba também cerveja, como é o costume da terra”. Enkidu bebeu sete copos de cerveja e seu coração elevou-se. Nesta condição, ele se lavou e virou um homem civilizado.

— Primeira narrativa da civilização, o épico de Gilgamesh escrita em 3000 a.C. descreve a domesticação de Enkidu, o primitivo, por meio da cerveja.

Os registros autenticados mais antigos da fabricação de cerveja foram feitos há mais de 6000 anos atrás na Suméria, a mais antiga civilização humana. A suméria possuía a primeira religião conhecida organizada pelo Estado, e a “bebida divina” original desta religião era a cerveja fermentada pelos sacerdotes de Ninkasi, a deusa suméria do álcool. Os hinos de Ninkasi eram instrução sobre fermentar cerveja! A primeira coleção de leis, o Código de Hammurabi da Babilônia, decretava uma porção individual de cerveja em proporção direta ao status social: consumo de cerveja estava de mãos dadas com a hierarquia. Por exemplo, trabalhadores recebiam dois litros enquanto os adorados sacerdotes e reis ganhavam cinco. (Como um interessante experimento de pensamento, pergunte a si mesmo quanto álcool – e de que graduação – você consome hoje em dia, e o que isso diz sobre sua posição na sociedade). Historiadores, considerando a supremacia do álcool nestes antigos livros de leis, já conjeturaram que a função original da hierarquia era permitir que alguns homens acumulassem grandes quantidades de álcool enquanto garantiam que uma força de trabalho suficiente – pacificada por suas miseráveis porções de álcool para desencorajar revoltas ou fugas – estivesse sempre à mão para continuar cultivando e fermentando. Reis usavam jarras de ouro para bebericar de grandes recipientes de cerveja, uma tradição que foi preservada com plástico por todo o mundo ocidental. O papel essencial do álcool nesta primeira hierarquia é fácil de reconhecer, até com uma leitura apressada desses registros: como em todo regime autoritário, “justiça” era um conceito fundamental, e o julgamento decretado para todos que violavam alguma das leis que administravam a cerveja era morte por afogamento.

Apesar de ser ainda recentemente inventada, a cerveja influenciou cada faceta da emergente civilização humana. Antes da invenção do dinheiro, cerveja era usada como o item de escambo padrão – um dinheiro anterior ao dinheiro! No Egito antigo, um pequeno barril de cerveja era o único presente próprio a ser oferecido ao faraó ao se propor casamento com suas filhas, e pequenos barris de cerveja eram sacrificados aos deuses quando o Nilo transbordava. À medida que a civilização se espalhou, a cerveja foi junto. Até em regiões tão remotas quanto a Finlândia, a cerveja possuiu um papel crucial desde o momento inicial da civilização: o Kalevala, o antigo poema épico finlandês, possuía o dobro de versos devotados à cerveja que à criação da Terra. Fermentação de cerveja pode ser encontrada em qualquer lugar em que a civilização esteve, das aldeias rudimentares dos bárbaros germânicos até os deuses-imperadores da China. Apenas aqueles seres humanos que continuaram vivendo em harmonia com a floresta, como os povos indígenas da América do Norte e algumas partes da África, permaneceram livres do álcool – por um tempo.

As “civilizações clássicas” da Grécia e Roma eram tão ensopadas em álcool quanto eram em sangue – todo o mundo antigo estava perdido em uma ressaca coletiva. Isto deve ter ajudado os nobres e filósofos a encobrir o fato de que sua “iluminada democracia” era baseada na sujeição das mulheres e das massas de escravos. O maior trabalho da literatura “clássica”, o Symposium, detalha uma festa alcoólica estrelando Sócrates, cuja fama como um filósofo foi aumentada pela sua desumanamente alta tolerância ao álcool. Estudando suas glorificações do abstrato sobre o real – supondo que estas não foram falsamente atribuídas a ele por seu mentiroso pupilo, Platão – pode-se ainda capturar um hálito da respiração azeda de um bêbado.

Fabricação de Cerveja e Estado

Em vida, me chamarão de Gambrinus, Rei de Flanders e Brabant, aquele que pela primeira vez fez malte da cevada e assim concebeu a fermentação da cerveja. Portanto, os fabricadores de cerveja podem dizer que possuem um rei como o primeiro mestre cervejeiro.

— O patrão da santa cerveja era um monarca, claro.

O império romano finalmente ruiu, como acontece, eventualmente, com todos os impérios (incluindo este aqui, dane-se!), após uma bêbada orgia de decadência e degeneração que perdurou por gerações. Os dois sobreviventes mais influentes foram a cerveja e o Cristianismo. A fermentação já fora do domínio das mulheres – mas com a ascensão da Igreja Católica, as ordens monásticas agarraram este domínio para si, destruindo um dos últimos bastiões do antigo matriarcado. Monges, atrofiados nas rezas, contavam com a bebida para facilitar seus miseráveis jejuns religiosos – e assim, não surpreendentemente, o consumo de cerveja não era considerado uma violação de seus juramentos de não-consumo. O consumo de cerveja nos monastérios alcançou níveis sem precedentes quando monges tiveram permissão para consumir mais de cinco litros de cerveja por dia. Os papas e os primeiros imperadores, como Carlos Magno, pessoalmente supervisionavam o processo de fermentação, esperando criar a bebida perfeita para apagar tanto suas consciências quanto a consciência de seus súditos.

O nascimento do capitalismo e do estado-nação começou com a comercialização de cerveja. Os monastérios, transbordando com mais cerveja do que podiam consumir, começaram a vendê-la para as aldeias dos arredores. Monastérios se duplicavam nas noites como bares, e esses homens de deus criaram algumas das primeiras empresas bem administradas geradoras de lucros. Com o enfraquecimento do poder da Igreja e a ascensão do estado-nação moderno, reis e duques se mudaram para perto dos monastérios livres de impostos. Eles começaram a licenciar a produção de cerveja para a nascente classe comerciante, impondo uma alta taxa que apressou a centralização do poder e da força nessas nações. Cerveja virou o foco de toda noite e o suporte de toda celebração. O termo para a época natalina (yuletide), por exemplo, deriva do inglês “Ale tide”(”Maré de Cerveja). Para pacificar mulheres em suas noites de núpcias, uma extra-potente “Bride Ale” (Cerveja da Noiva) era feita, e daí veio a palavra bridal (noivado). Em todo lugar, o triunfo da embriaguez, em todo lugar, o triunfo de Deus e do Estado.

A História Não-Patriarcal e a História do Lúpulo

Com isto os produtores de cerveja e outros devem utilizar nada mais que malte, lúpulo e água. Esses mesmos produtores também não devem adicionar nada quando servindo ou, de outra forma, manuseando a cerveja, sob pena de morte.

— Leis de pureza e eugenia de Bayers-Landshut

Enquanto os monastérios estavam comercializando cerveja e o Estado-Nação prosperando fora deles, uma secreta irmandade feminina de produtoras de fermentados permaneceu nas vilas camponesas, fermentando estranhas e miraculosas bebidas para os pobres e excluídos da sociedade medieval. Essas “bruxas” fermentavam grãos de zimbro, samouco-de-brabante, abrunheiro, anis, aquiléa, alecrim, absinto, raízes de pinhos, meimendro – cada qual com efeitos únicos e potentes. Por exemplo, enquanto bebidas baseadas na “erva maldita”, lúpulo, eram sedativos, muitas outras bebidas fermentadas podiam curar os doentes, acalmar a raiva, e dar esperança aos desesperançosos. Camponeses podiam se recolher em suas aldeias e beber a bebida sagrada produzida com o fermento que suas avós tinham transmitido através de gerações. À medida que consorciavam e consumiam essas bebidas selvagens e variadas, toda a degradação que os padres e reis amontoaram sobre eles vinha às suas consciências, e eles podiam levantar-se em revolta contra seus governantes. Como estas revoltas eram especialmente freqüentes e ferozes no Sagrado Império Romano, diversos nobres germânicos conspiraram para destruir as culturas que as nutriam. O duque da Bavária, Wilheim IV, aprovou a lei de pureza para reprimir toda diversidade subversiva de fermentação. De 1516 para diante, a cerveja devia ser fermentada apenas com o lúpulo sedativo: desde então todo álcool foi homogeneizado e qualquer tecnologia medicinal ou de fermentação restaurativa que já existiu foi perdida. Fermentados baseados em lúpulo causam uma perda de coordenação, uma inabilidade para pensar claramente, e, finalmente, uma morte lenta – todas as qualidades necessárias para fazer tanto os camponeses germânicos quanto os trabalhadores dos tempos modernos incapazes de revolta.

As mulheres, que foram anteriormente as respeitadas fermentadoras das aldeias camponesas, foram caçadas e queimadas em estacas como “bruxas fermentadoras”. Até hoje, bruxas são raramente imaginadas sem seus caldeirões de fermentação. A queima de bruxas fundamentada nos processos de fermentação herege continuaram até 1519. Com esse massacre, os últimos centros de fermentação independentes e criativos foram destruídos e as mulheres prostradas perante o deus bêbado dos reprimidos monges e insaciáveis mestres cervejeiros. Através do álcool, a população comum foi subjugada, e o que virou a vida na Idade Média tornou-se nojento, baixo, cruel e – sobretudo – bêbado.

Globalize o Alcoolismo

De fato, se foi o desígnio da Providência escavar esses selvagens para fazer espaço para os cultivadores da Terra, não parece improvável que o Rum possa ser o método designado. Ele já aniquilou todas as tribos que anteriormente habitavam a costa marítima.

— Benjamim Franklin, que foi, primitivistas tomem nota, o “descobridor” da eletricidade, entre outras coisas – ainda que cientistas tradicionais protestem que ele inventou a eletricidade não mais do que Colombo descobriu a América. Talvez “domesticador” seja um termo mais acurado? De qualquer forma, voltemos para nossa história.

Enquanto a civilização imperialista européia começava sua dispersão cancerosa pelo mundo, a cerveja lealmente liderava o ataque. Os primeiros comerciantes, os Hansa, exportavam cerveja tão longinquamente como para a Índia. A colonização dos Estados Unidos da América começou quando os peregrinos se fixaram em Plymouth Rock, ao invés do longínquo Sul como planejado, porque eles ficaram sem suprimentos: “especialmente nossa cerveja”. Os pais fundadores, incluindo Washington e Jefferson, além de serem aristocratas donos de escravos, eram todos produtores de cerveja. Coincidência?

As fundações do genocídio colonial pariram o fedor de um longo e prolongado pesadelo induzido por álcool – quase todas as culturas indígenas que os europeus encontraram foi destruída pelo álcool e doenças européias. A difusão da aguardente entre as populações indígenas da América do Norte caminhava juntamente com a distribuição de travesseiros letais infectados com varíola. Muitas destas culturas, sem a experiência de milhares de anos de alcoolismo civilizado, foram ainda mais subjugadas que os europeus nas destruições da “produção de cerveja civilizada”. Entre álcool, doença, comércio e armas, a maioria delas foi rapidamente e completamente destruída. Esse processo não fui único da América do Norte – ele foi repetido em todo o mundo em cada esforço colonial europeu. Enquanto a opção de droga variava (às vezes era ópio, por exemplo, como nas “Guerras do Ópio” que a Grã-Bretanha travou para controlar a China), álcool foi julgado em muitos países como a mais socialmente aceitável ferramenta de pacificação.

A revolução industrial foi acelerada pela esperança de fermentar cerveja o ano todo, uma vez que as temperaturas necessárias para a fermentação ocorrem naturalmente apenas no inverno. A máquina a vapor inventada por James Watt foi imediatamente utilizada por Carl von Linde para tornar possível o resfriamento artificial, permitindo àqueles que contam com a infra-estrutura da civilização fermentar em qualquer momento em qualquer lugar. Ao contrário da crença popular, Louis Pasteur inventou a pasteurização para a produção de cerveja, e apenas depois foi adotada pelas indústrias de laticínios. A levedura, que pode ser encontrada naturalmente no ar, nem é mais utilizada neste estado pelos produtores modernos, pois cientistas isolaram uma célula de levedura e induziram-na a se reproduzir artificialmente para a produção. Depois da invenção da linha de montagem, a cerveja passou a ser produzida em massa em uma escala cada vez maior. Durante os dois séculos desde então, a indústria do álcool – como todas as indústrias capitalistas – foi consolidada por algumas grandes companhias controladas de modo feudal por famílias como o infame sindicato da cerveja Anheuser-Busch (infame por suas conexões com grupos de direita e fundamentalistas religiosos). Ainda sobre outras ligações entre álcool e atividades de extrema-direita/fascistas – talvez o leitor se lembre onde Hitler iniciou sua tomada de poder na Alemanha.

Resista ao Capitalismo – Desista de Beber

Não é exagero, então, dizer que o álcool executou um papel chave na epidemia de fascismo, racismo, estatismo, imperialismo, colonialismo, sexismo e patriarcalismo, opressão de classe, desenvolvimento desgovernado de tecnologias, superstição religiosa e outras coisas malignas que varreram a Terra durante os últimos poucos milênios. Ele continua a executar este papel hoje, quando as populações de todo o mundo, finalmente universalmente domesticadas e escravizadas pelo capitalismo global, são mantidas pacificadas e impotentes por um estável estoque de bebidas alcoólicas. Estas bebidas diabólicas gastam o tempo, dinheiro, saúde, foco, criatividade, consciência e companheirismo de todos os que habitam esse território universalmente ocupado – “trabalho é a maldição das classes bebedoras”, como disse Oscar Wilde. Não é surpreendente, por exemplo, que o alvo principal da publicidade da bebida de malte (um subproduto tóxico do processo de fabricação de cerveja) são os habitantes dos guetos nos EUA: pessoas que constituem uma classe que, se não tranquilizadas pelo vício e incapacitadas pela autodestruição, estariam na linha de frente da guerra para destruir o capitalismo.

A civilização – e tudo nocivo e malévolo que ela produz – irá desmoronar quando surgir um movimento de resistência que possa barrar a inundação de álcool que imobiliza as massas. O mundo espera agora por uma sobriedade que possa se defender, por uma visão radical não anuviada por bebidas, por uma sobriedade revolucionária que nos retornará ao extático estado selvagem.

Nossa Herança Anti-Autoritária:
Abstêmios lutando contra o Totalitarismo

Não é amplamente lembrado que vegetarianismo estrito e abstinência de álcool são comuns em círculos radicais por muitos séculos. Basta apenas folhear os livros de história para reunir uma longa lista de hereges, utópicos, reformadores, revolucionários, coletivistas e individualistas que adotaram essas escolhas de estilo de vida como elementos essenciais de suas plataformas. Deixaremos a confecção desta lista para o leitor entusiasta ou o crítico obsessivo – é suficiente dizer que exemplos abrangem de velhos homens brancos como Friedrich Nietzsche, que abstinha-se até de cafeína enquanto enaltecia o tipo de embriaguez extática aqui descrito, N. Vachel Lindsay, o visionário vagabundo de Springfield, Illinois, que atravessou o antigo EUA para dividir seu apelo poético por abstinência e desemprego deliberado e Jules Bonnot e seus camaradas ladrões de banco anarquistas, que inventaram juntamente o carro de fuga, até Malcolm X (claro) e o EZLN – que proibiu o álcool de acordo com o conselho de mulheres zapatistas que se “encheram o saco” das besteiras dos homens. (O governo capitalista do México tentou minar a atividade revolucionária importando cerveja para as aldeias como Ocosingo; nesta cidade e em outras, Zapatistas responderam levantando barricadas e combatendo os soldados que iriam forçar este “livre comércio” sobre eles). Uma das melhores músicas do banda de rap Public Enemy atacou o papel do álcool na exploração e opressão da comunidade afro-americana. Você pode apostar que o anarquista Leon Czolgosz estava totalmente sóbrio quando atirou no presidente dos EUA William McKinley e o matou. Oh, e – podemos esquecer? – sempre há Ian McKaye, membro da banda Minor Threat, que cunhou o termo straight-edge e manifestou as idéias desta posição, principalmente a oposição ao uso de álcool e drogas como forma de protesto.

Do outro lado da moeda – pode imaginar quanto mais progresso já teríamos feito nesta luta se anti-autoritários como Nestor Makhno, Guy Debord, Janis Joplin e incontáveis anarcopunks tivessem focado mais energia na criação e destruição que eles amavam tão encarecidamente e menos em beber até a morte?

Chega de História! Deixe o Futuro Começar!

Talvez tanta conversa sobre tempos e pessoas distantes deixem as coisas um tanto frias. Certamente, a história pode ser morta – e a história dos exércitos triunfantes e presidentes genocidas é realmente uma história de morte. Todos juntos, podemos aprender com este passado, assim como com os outros, se aplicarmos, como padrão, nossas imaginações e um olho clínico. Historiadores profissionais e seus estimados escravos de escravos podem acusar esta explanação de ser subjetiva ou parcial, mas então – qual de suas histórias não o é? Não somos nós cujos salários dependem de apoio e patrocínio de corporações!

Mesmo que você decida que esta história do alcoolismo seja “a” verdade, por favor não gaste seu tempo procurando no passado por algum estado de sobriedade primitiva há muito tempo perdido que – como qualquer um de nós sabe – talvez nunca tenha existido. O que importa é o que fazemos no tempo presente, que histórias nossas ações criam hoje. A História é o resíduo – não, melhor, o excremento – de tal atividade; permita que não nos afoguemos nela como levedura, mas aprendamos o que precisamos e então a deixemos para trás. Não deixe nada nos parar, nem mesmo o álcool, tão arraigado em nossa cultura como está! Estes déspotas bêbados e fanáticos com barriga de cerveja podem destruir seu mundo e sufocar sob a história, mas nós carregamos um novo futuro em nossos corações – e o poder de colocá-lo em prática em nossos saudáveis fígados.