Voto vs. Ação Direta

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As pessoas se preocupam com as eleições em níveis nada saudáveis. Isso não quer dizer que todo mundo vota, ou acha que votar muda algo e vale a pena; pelo contrário, um número cada vez maior de pessoas faz questão de votar branco ou nulo. Mas quando você conversa sobre política, de opinar sobre a atual situação do país, o voto é a única estratégia em que as pessoas conseguem pensar — votar e influenciar o voto das outras pessoas.

Será que é por isso que tantas pessoas se sentem desempoderadas? Digitar um par de números anonimamente uma vez por ano, ou a cada quatro anos, basta para nos sentirmos incluídos no processo político ou para ter influência sobre ele? Mas o que há além do voto?

Na verdade, votar para que outras pessoas representem os seus interesses é a forma menos eficiente que há para exercer poder político. A alternativa, de forma geral, é agir diretamente para que você represente os seus próprios interesses.

Isso é conhecido em alguns círculos como “ação direta”. Ação direta é às vezes confundida com outra forma de fazer campanha, usar táticas de ativismo político para influenciar políticos eleitos; mas na verdade se refere a qualquer ação ou estratégia que corta o intermediário e soluciona os problemas diretamente, sem apelar a governantes eleitos, ao interesse corporativo ou outros poderes.
Exemplos concretos de ação direta estão por toda parte. Quando as pessoas começam a sua própria organização para compartilhar comida com quem passa fome, ao invés de apenas votarem para um candidato que promete usar o dinheiro dos impostos e a burocracia para resolver o “problema dos moradores de rua”, isso é ação direta. Quando um homem confecciona e distribui panfletos que tratam de algo que o preocupa, ao invés de confiar que os jornais tratem do assunto ou publiquem o seu e-mail, isso é ação direta. Quando uma mulher forma um clube do livro com suas amigas ao invés de pagar por aulas em uma escola, ou faz o que é necessário para fechar uma superloja corporativa no seu bairro ao invés de delegar autoridade para os planejadores da cidade, isso também é ação direta. Ação direta é o fundamento de uma comunidade forte. Sem ela, quase nada seria feito.

De várias formas, a ação direta é um meio mais eficiente que o voto para as pessoas influenciarem a sociedade. Por uma razão, votar é uma loteria: se um candidato não se elege, então toda a energia que a sua base usou para apoiá-lo é desperdiçada, bem como o poder que elas esperavam que ele exercitasse vai para outra pessoa. Com ação direta, você pode ter certeza que o seu trabalho vai ter algum tipo de resultado; e os recursos que você adquirir no processo não podem ser tirados de você, quer seja experiência, contatos e reconhecimento na sua comunidade ou infraestrutura organizacional.

Votar consolida o poder de toda a sociedade nas mãos de um punhado de políticos. Através da pura força do hábito, para não falar de outras formas de imposição, todo mundo é mantido numa posição de dependência. Através da ação direta, você se familiariza com os seus próprios recursos, capacidades e iniciativa, descobrindo o que eles são e o que você pode alcançar com eles.

Votar força todas as pessoas em um movimento a tentarem concordar em uma plataforma; as coalizões brigam sobre aquilo que terão que abrir mão, cada facção insiste que sabe a melhor forma e que as outras estão estragando tudo ao não concordarem com o seu programa. Muita energia é despediçada nessas disputas e recriminações. Na ação direta, por outro lado, não é necessário nenhum grande consenso: diferentes grupos podem realizar diferentes abordagens de acordo com o que acreditam e com o que se sentem confortáveis fazendo, e ainda podem interagir para formar um todo que seja mutualmente benéfico. As pessoas envolvidas em diferentes ações diretas não precisam bater boca, a menos que elas realmente estejam atrás de objetivos conflitantes (ou que anos votando as tenham ensinado a discutir com qualquer pessoa que não pense exatamente como elas). Os conflitos sobre eleições geralmente nos distraem dos verdadeiros problemas que estão aí, já que as pessoas se envolvem no drama de um partido contra o outro, um programa contra o outro, um candidato contra o outro. Com a ação direta, por outro lado, os problemas em si são abordados, tratados especificamente, e freqüentemente resolvidos.

Votar só é possível quando chega o momento das eleições. A ação direta pode ser aplicada sempre que acharmos necessário. Votar só é útil para tratar dos assuntos que estiverem presentes nos programas políticos dos candidatos, enquanto a ação direta pode ser aplicada em todos aspectos de nossa vida, em qualquer parte do mundo.

O voto é glorificado como a “liberdade” em ação. Isso não é liberdade — liberdade é antes de tudo poder decidir quais serão as opções, e não ter que escolher entre Pepsi ou Coca-Cola. A ação direta é pra valer. Você planeja, você cria ass opções, o céu é o limite.

Fundamentalmente, não existe motivo para que ambas as estratégias, o voto e a ação direta, não sejam utilizadas juntas. Uma não cancela a outra. O problema é que tantas pessoas pensam no voto como a sua principal forma de exercer o poder político e social que uma quantidade desproporcional do tempo de todo mundo é gasto deliberando e debatendo sobre isso enquanto outras oportunidades de mudança são desperdiçadas. Por vários meses antes de toda eleição, todo mundo discute sobre o voto, em quais candidatos votar ou mesmo se se vota ou não, quando o voto em si leva menos de uma hora. Vote ou não vote, mas não se demore nisso! Lembre-se de todas as outras formas com as quais você pode se fazer ouvir.

Sendo este ano de eleição, nós ouvimos constantemente sobre as opções disponíveis a nós eleitores, e quase nada sobre nossas outras oportunidades de ter um papel decisivo na nossa sociedade. O que precisamos é de uma campanha para chamar a atenção para as possibilidades que métodos mais diretos de ação e envolvimento com a comunidade têm a oferecer. Isso não precisa ser visto como contraditórios com o voto. Podemos passar uma hora votando todo ano, e os outros trezentos e sessenta e quatro dias e vinte e três horas agindo diretamente!

Aqueles que estão completamente desencantados com a democracia representativa, que sonham com um mundo sem presidentes e políticos, podem ficar tranqüilos que se todos nós aprendermos como utilizar deliberadamente o poder que cada um de nós tem, a questão de qual político é eleito será irrelevante. Eles só possuem esse poder porque nós o delegamos a eles! Uma campanha por ação direta coloca o poder de volta ao seu lugar de direito, as mãos do povo de quem ele se origina.

12 MITOS SOBRE AÇÃO DIRETA

Ação direta – ou seja, qualquer tipo de ação que ultrapasse canais políticos estabelecidos para alcançar os objetivos diretamente – é mais antiga que a democracia. Apesar disso, há muitos mal-entendidos sobre o assunto, em parte devido ao modo como ele tem sido deturpado na mídia corporativa.

Ação direta é terrorismo
Terrorismo é planejado para intimidar e, assim, paralisar as pessoas. A ação direta, por outro lado, busca inspirar e, assim, motivar as pessoas, demonstrando o poder que os indivíduos têm para realizar os seus objetivos por si mesmos. Enquanto o terrorismo é domínio de uma classe especializada que busca a obtenção do poder em si, a ação direta demonstra possibilidades que outras pessoas podem aproveitar, capacitando elas a assumir o controle de suas próprias vidas. No máximo, uma determinada ação direta pode obstruir as atividades de uma empresa ou instituição que os ativistas consideram estar cometendo uma injustiça, mas isso é simplesmente uma forma de desobediência civil, não terrorismo.

Ação direta é violenta
Dizer que é violento destruir as máquinas de um matadouro, ou quebrar janelas pertencentes a um partido que promove a guerra, é priorizar a propriedade sobre a vida humana e animal. Esta objeção valida de forma sutil a violência contra seres vivos, concentrando toda a atenção sobre os direitos de propriedade e a mantendo longe de questões mais fundamentais.

Ação direta não é expressão política, é crime
Infelizmente, se uma ação é ilegal ou não serve para dizer se é ou não é justa. As leis que impunham a segregação racial eram, no fim das contas, leis. Opor-se a uma ação alegando que é ilegal é contornar a questão mais importante de se ela é ou não é ética. Argumentar que devemos sempre obedecer às leis, mesmo quando as consideramos antiéticas ou quando impõem condições antiéticas, é sugerir que os pronunciamentos arbitrários do sistema legal possuem uma autoridade moral maior do que nossas próprias consciências, e exigir cumplicidade frente à injustiça. Quando as leis protegem a injustiça, a atividade ilegal não é vício, e a docilidade obediente à lei não é uma virtude.

Ação direta é desnecessária se temos liberdade de expressão
Em uma sociedade dominada por uma mídia corporativa cada vez mais bitolada, pode ser quase impossível de se iniciar um diálogo público sobre um assunto a menos que occora algo que chame atenção para isso. Sob tais condições, a ação direta pode ser um meio de nutrir a liberdade de expressão, não de esmagá-la. Da mesma forma, quando pessoas que de outra forma fariam oposição a uma injustiça a aceitam como inevitável, não basta simplesmente falar sobre isso: deve-se demonstrar que é possível fazer algo a respeito.

Ação direta é alienadora
Pelo contrário, muitas pessoas que acham que a política partidária tradicional é alienante, são inspiradas e motivadas pela ação direta. Diferentes pessoas encontram diferentes abordagens que as satisfaçam; um movimento que pretende ser amplo deve incluir uma grande variedade de opções. Às vezes as pessoas que compartilham os objetivos de quem pratica a ação direta, mas que contestam os seus métodos, gastam todas as suas energias criticando uma ação que foi realizada. Ao fazer isso, elas arrancam a derrota das garras da vitória: seria melhor se elas aproveitassem a oportunidade para focar toda a atenção sobre as questões levantadas pela ação.

Pessoas que praticam a ação direta devem, ao invés disso, trabalhar através dos canais políticos estabelecidos
Muitas pessoas que praticam a ação direta também trabalham dentro do sistema. Um compromisso de fazer uso de todos os meios institucionais de resolução de problemas não exclui necessariamente um igual compromisso de continuar além do ponto onde esses meios param.

Ação direta é exclusivista
Algumas formas de ação direta não estão abertas a todos, mas isso não significa necessariamente que elas não têm valor. Todo mundo tem diferentes preferências e capacidades, e deve ser livre para agir de acordo com elas. O importante é a forma como as diferentes abordagens de indivíduos e grupos que compartilham os mesmos objetivos de longo prazo podem ser integradas de tal forma que se complementem.

Ação direta é covarde.
Esta acusação é quase sempre feita por quem tem o privilégio de falar e agir em público sem temer repercussões: isto é, aquelas pessoas que têm o poder nesta sociedade, e aquelas que obedientemente aceitam seu poder. Deveriam os heróis da Resistência Francesa demonstrar a sua coragem agindo contra o exército de ocupação nazista em plena luz do dia, condenando-se assim à derrota? A propósito, em uma mundo cada vez mais aterrorizado pela vigilância policial e governamental de quase todos, é alguma surpresa que aqueles que expressam a dissidência podem querer proteger a sua privacidade ao fazê-lo?

Ação direta é praticada apenas por universitários/jovens ricos/pessoas pobres desesperadas/etc.
Esta alegação é quase sempre feita sem referência a fatos concretos, como uma mácula. De fato, a ação direta é e tem sido praticada há tempos em uma variedade de formas por pessoas de todas as esferas da vida. A única possível exceção a isso seriam os membros das classes mais ricas e poderosas, que não têm necessidade de praticar qualquer tipo de ação ilegal ou controversa, pois, como se por coincidência, os canais políticos estabelecidos são perfeitamente adequados às suas necessidades.

Ação direta é o trabalho de agentes provocadores
Esta é uma outra especulação geralmente feita a partir de uma certa distância, sem provas concretas. Alegar que a ação direta é sempre o trabalho de agentes provocadores da polícia é desempoderador: isto exclui a possibilidade de que os ativistas poderiam fazer essas coisas por si mesmos, superestimando os poderes de inteligência policial e reforçando a ilusão de que o Estado é onipotente. Da mesma forma, preventivamente descarta o valor e a realidade de uma diversidade de táticas. Quando as pessoas se sentem no direito de fazer alegações infundadas de que cada tática que desaprovam é uma provocação da polícia, isso obstrui a própria possibilidade de um diálogo construtivo sobre as táticas apropriadas.

Ação direta é perigosa e pode ter repercussões negativas para os outros
A ação direta pode ser perigosa em um clima político repressivo, e é importante que quem a pratica faça todos os esforços para não pôr em perigo os outros. Entretanto, isso não é necessariamente uma objeção a ela – pelo contrário: quando se torna perigoso agir fora dos canais políticos estabelecidos, torna-se ainda mais importante fazê-lo. As autoridades podem usar ações diretas como desculpas para aterrorizar inocentes, como Hitler fez quando o Reichstag foi incendiado, mas quem está no poder é que deve responder pelas injustiças que comete ao fazê-lo, e não aqueles que se opõem a eles. Da mesma forma, embora as pessoas que praticam a ação direta possam realmente correr riscos, diante de uma injustiça insuportável pode ser mais perigoso e irresponsável deixá-la sem contestação.

Ação direta nunca alcança nada
Cada movimento político eficaz ao longo da história, desde a luta pela jornada de oito horas até a luta pelo voto feminino, fez uso de alguma forma de ação direta. A ação direta pode complementar outras formas de atividade política em uma variedade de maneiras. Se nada mais, ela destaca a necessidade de reformas institucionais, dando àquelas pessoas que lutam por elas mais força de negociação, mas ela pode ir além desse papel de apoio e sugerir a possibilidade de uma organização completamente diferente da vida humana, na qual o poder é distribuído de forma igual e todas as pessoas são ouvidas em todos os assuntos que lhes dizem respeito.

AÇÃO DIRETA E APOIO MÚTUO PARECEM IDÉIAS ÓTIMAS!

POR ONDE COMEÇO?

Uma vez que nossas vidas e o nosso mundo são território ocupado, que relações de luta e competição existem em todos os níveis da nossa sociedade pois depois de ali introduzidos eles tentem a substituir outras relações: tudo então depende de encontrarmos formas de nos reapropriarmos da nossa própria criatividade e produtividade, removendo-as deste ciclo, para então subvertê-lo e abortá-lo.

A revolução jamais será comprada pelo preço do catálogo. Obviamente, não receberemos uma “remuneração justa” por nosso trabalho ou capital no mercado “livre”; precisamos criar situações, por mais efêmeras que sejam (pois nada pode nem deve ser sustentável em um mundo insustentável), nas quais temos poder sobre os recursos que de outra forma estariam fora do nosso alcance. Precisamos aprender com quem já é adepto dessas práticas: ladrões de bancos, estudantes que colam nos seus exames, trabalhadoras que trapaceiam no relógio-ponto ou usam materiais da empresa para projetos pessoais, afanadores de material de escritório, adúlteras suburbanas, chapistas que processam seus empregadores corporativos. Com esse precioso contrabando, nós contra-bandidos podemos redescobrir as artes populares — as quais podemos usar para criar ambientes novos e liberados e para resgatar nossos companheiros seres humanos do atual pesadelo.

ARTE POPULAR murais, marcadores permanentes, tinta spray, adesivos, cartazes, grude, estêncil, tijolos, gasolina e isopor… A reapropriação, por todo indivíduo, dos meios (e “direito”) de transformar os ambientes onde vivemos. Dar-nos conta de que se a confecção do mundo é um projeto coletivo, o seu planejamento também deve ser.

SABEDORIA POPULAR fotocópias roubadas, anúncios públicos, panfletos, zines, redes de contato por telefone, grupos de discussão, tradição oral, redes de mídia independente… Contornar a grande mídia através de meios de comunicação diretos, descentralizados e não-hierárquicos. A rejeição da História, qualquer História, no sentido objetivo, em favor dos mitos, das lendas e da contação de estórias.

MÚSICA POPULAR música tecno, hip hop e punk rock ao estilo faça você mesmo, rádio pirata, rodas de percussão, cantos de protesto e canções… A desmistificação do papel de musicista — nos darmos conta de que qualquer pessoa pode criar um ambiente sonoro, que qualquer pessoa pode transformar as emoções de suas companheiras em medo ou indignação, amor ou sentimentalismo, raiva ou desespero — e o conseqüente entendimento de que isso deve ser feito de forma cooperativa, ou então o resultado será uma bagunça abominável. Portanto, o reconhecimento do ato de fazer música como a perfeita analogia para as relações humanas.

CIÊNCIA POPULAR ocupações, catar materiais nas lixeiras, jardinagem, invenções, fazer as suas próprias construções, encanamentos, decoração, impressão e consertos… O fim da especialização — o fim da expertise como um produto numa economia de escassez. A rejeição de tecnologia como uma divindade mediada por uma casta de sacerdotes da elite, e do “progresso” linear como o único e inquestionável princípio da história humana. Nos darmos conta de que cada um de nós pode fazer qualquer coisa, que é mais valioso que você faça o seu próprio progresso do que aceitar passivamente ou contribuir para um “progresso” que está além do seu controle.

AMOR POPULAR Comida-Não-Bombas, comunidades locais e internacionais, arranjos de habitação comunal, espaços comunitários, relacionamentos abertos, amizades amorosas, grupos de afinidade e infinidade… A emergência do apoio mútuo e do suporte emocional fora do sistema de trocas, que sejam o seu próprio fim ao invés de parte de uma transação, pois assim poderemos construir comunidades que protegem e incentivam a individualidade e a cooperação ao mesmo tempo.

GUERRA POPULAR manifestações, okupas, Massa Crítica, Retomar as Ruas, Black Bloc, greves não autorizadas pelos lideres sindicais, conselhos de porta-vozes, federações sem diretoria… O estabelecimento coletivo dos meios para defender nossa autonomia e liberdade individual de forma que não coloque em risco as pessoas envolvidas no processo. Abolição de líderes e ordens, mesmo em tempos de guerra (como esta), em favor de estratégias de resistência radicalmente democráticas, descentralizadas, baseadas em consenso.